O cineasta espanhol Pedro Almodóvar retornou às suas raízes com Os Amantes passageiros, que chegou aos cinemas brasileiros neste mês. Muito diferente do fabuloso e superproduzido A Pele em que habito (2011), o novo longa faz uma releitura de temas caros ao diretor, como a sexualidade aguçada, as manias e desvarios do ser humano e os diferentes tipos sociais, tão presentes em filmes como Kika (1993), A Lei do desejo (1987) e Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988).
Grande parte dos 90 minutos se passa dentro de um avião, uma espécie de microcosmo para um país em crise – artifício utilizado recentemente por Roman Polanski em O Deus da carnificina (2012), que acontece na íntegra dentro da sala de um apartamento. Com pequenas participações de dois atores-fetiche de Almodóvar, Antonio Banderas (Léon) e Penélope Cruz (Jessica), quem dá voz ao filme são três atores não tão conhecidos do público brasileiro: Carlos Areces (Fajas), Javier Cámara (Joserra) e Raúl Arévalo (Ulloa), que encarnam três “aeromoços” perdidos em confusões pessoais.
Muito excitante
Um dos pontos altos do filme, definido pelo próprio diretor como “uma comédia muito, mas muito leve”, é o trio de tripulantes dançando “I’m so excited” (título que acabou dando nome o filme nos Estados Unidos) do grupo The Pointer Sisters – algo que realmente em 2010 em um voo da Cebu Pacific Airlines.
Colocando lado a lado os dramas pessoas, como a sensitiva Bruna (Lola Dueñas), que tem como maior sonho perder a virgindade, ou Infante (José Maria Yazpik), um assassino de aluguel que se apaixona pela sua vítima, Norma (Cecilia Roth ), Almodóvar consegue alcançar a excelência em um trabalho pessoal carregando de suas cores e preferências.
Mesmo repleto de clichês, tanto do cinema quanto do universo do diretor, Os Amantes passageiros encanta pela graça despretensiosa e fina – usando o sexo não como atração, mas como vertente dos medos e dores do ser humano.
Aproveitando todo o frenesi de homenagens e tributos à Legião Urbana e ao seu líder, Renato Russo, morto em 1996, não poderia haver momento melhor para o lançamento épico de Faroeste caboclo, dirigido por René Sampaio, e que conta a saga de João de Santo Cristo, um homem que “não entendia como a vida funcionava e a discriminação por causa da sua classe e sua cor” e que deixa interior/sertão para tentar ganhar a vida em Brasília.
Enfim, a história, escrita por Russo quando tinha apenas 18 anos e gravada nove anos depois, não é novidade para ninguém. Entretanto, ao contrário de Somos tão jovens, longa lançado recentemente, Faroeste caboclo encanta pela sua originalidade pouco inventiva: ele segue passo a passo a música, mas sem cair nos clichês óbvia como citar trechos ou fazer inúmeras referências à Turma da Colina.
Fabrício Boliveira, surpreende como Santo Cristo, mas o mais impressionante é Isis Valverde no papel de uma Maria Lúcia “patricinha”, filha de um senador (Marcos Paulo), que personifica o “general de dez estrelas que fica atrás da mesa com o cu na mão. Certamente, essa era a maior resistência do filme: imaginar Maria Lúcia não como uma degrada, da mesma forma como o protagonista, mas sim como estudante de arquitetura que se apaixona pelo carpinteiro-traficante.
Welcome to the Django
Com trabalhos como Tropa de elite 2 e, o já famigerado, Isso é Calypso, que deve estrear esse ano, Boliveira consegue dar a Santo Cristo aquela empatia única que o público gosta de ter com os mocinhos-bandidos, das produções realistas de Pasolini, por exemplo.
Apesar de ter sido produzido, praticamente, em paralelo com Django livre, de Quentin Tarantino, o que impediria o diretor brasileiro de pinçar influências no épico americano, porém, é quase impossível não observar similaridades entre as obras e tirar disso um saldo extremamente positivo.
Segundo Sampaio, muitas das referências cinematográficas do seu filme são as mesas usadas por Tarantino, como o faroeste spaghetti e clássicos como o Django “original”, estrelado por Franco Nero, sob a batuta de Sergio Corbucci. De forma geral, o longa de Sampaio é uma aula de cinema brasileiro, na qual é possível transferir influência desterritorizadas e obter algo tão brasileiro.
Promessa de sucesso de bilheteria, O Grande Gatsby, com direção de Baz Luhrmann e inspirado no livro de F. Scott Fitzgerald, publicado em 1925, pode ser chamado de remake do estonteante homônimo de 1974 com Robert Redford e Mia Farrow – sem esquecer a primeira versão, de 1949 que, apesar de bela, não teve o mesmo efeito que sua sucessora um quarto de século depois.
Com toda a “pirotecnia” 3D e um elenco com Leonardo DiCaprio, que esteve muito bem em Django livre, e Carey Mulligan, o longa encanta pela sua beleza estética, mas que se sobrepõe à interpretação dos atores. A combinação de animação com o footage real não caiu bem, embora tenha sido muito feita. Explico: a suntuosidade do livro, passado em 1922 – na “Era do Jazz” -, não se vê representada ali, mesmo deixando às claras a riqueza de Jay Gatsby. Não há a beleza e o encanto do personagem cunhado por Fitzgerald.
Silêncio
O que esperar de um filme que se passa na década de 20 – em questão de trilha sonora? No mínimo, que existam referências à época. Não, nem isso. Que concebeu a trilha teve a brilhante ideia de colocar artistas como Lana Del Rey, Fergie, will.i.am, Florence and the machine e The XX. Sem julgar se são bons ou não, as músicas escolhidas não capturam o espírito do filme – já que são modernas demais.
Para citar um exemplo, o cúmulo acontece durante uma festa de Jay Gatsby em que uma música contemporânea, de “balada” mesmo”, é o pano de fundo. Essa preocupação em transformar O Grande Gatsby em uma superprodução sem conteúdo chega a soar grosseira, sem o refinamento e o cuidado que a obra merece.
Aproveitando o boom do cinema nacional, que vive um dos seus melhores momentos, Somos tão jovens, dirigido por Antonio Carlos da Fontoura, já arrecadou R$ 5,8 milhões, o que significa atingir a sexta posição no ranking das melhores estreias de 2013 – o que, comparado com blockbusters como Homem de ferro 3, The Croods e Oblivion, é uma marca importantíssima e que merece ser comemorada.
Entre pequenas falhas – em sua maioria relacionadas a fendas temporais, como no momento em que Renato Russo (Thiago Mendonça) sai caminhando e ao fundo se ouve Por enquanto, música que não existia na época – e algumas pieguices, a cinebiografia do líder da Legião Urbana dá um banho na sua congênere que retratou outro ídolo dos anos 80, o exagerado Cazuza (O Tempo não para, 2004).
Muito mais que o herói de uma geração, o longa de Fontoura mostra um Renato Russo humano entre crises, incertezas e a lapidação do talento e da bagagem cultural do criador de verdadeiros estandartes da música brasileira como Que país é este, Será, Geração Coca-cola e Fátima. Quem já eu uma das melhores biografias já escritas sobre Russo, Renato Russo: o trovador solitário, do jornalista Arthur Dapieve, percebe alguns equívocos ou mesmo histórias um tanto estranhas, como a “amizade” com Aninha (Laila Zaid) e que seria a “musa” para o clássico Ainda é cedo.
(Não me lembro ao certo aonde li, mas tenho certeza de que ter visto uma declaração do próprio Renato Russo que a menina que inspirou Ainda é cedo também é o tema de Acrilic on canvas).
Crime e castigo
Sem deixar de lado as polêmicas, como a descoberta da bissexualidade e a autoafirmação, a declaração de amor a Flávio Lemos (Daniel Passi), ex-baixista do Aborto Elétrico e que depois ajudou a criar o Capital Inicial, o filme pega leve em temas como a drogas, que já estavam presentes na adolescência do cantor.
O fator “drogas” seria, justamente, uma das explicações para o comportamento rebelde de Russo, que nunca escondeu seu vício e que ganharia lirismo máximo em Há tempos – “Parece cocaína, mas é só tristeza” – e L’Âge d’Or – “Já tentei muitas coisas, de heroína a Jesus/Tudo o que já fui por vaidade”.
Além disso, a produção vale muito por retratar a “tchurma”, evidenciando a relação entre Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, mas deixando de lado banda como Arte no Escuro e a fantástica Escola de Escândalo.
Argo, de Ben Affleck, não mereceria levar o Oscar de melhor filme. De cara já digo. O grande problema do longa nem está na sua história e sim no tom americanista e que, com certeza, foi o fator preponderante para que fosse o escolhido. Django, de Quentin Tarantino, se saiu muito melhor em todos os quesitos, entretanto, abordar a América escravocrata foi um ato de coragem e que tirou o prêmio das mãos do diretor de Kill Bill,Bastardos inglórios e Pulp fiction.
Primeiro de tudo: ao contrário do que se tem dito, Django não é uma ofensa à herança negra nos EUA, afinal, mostra de uma forma realista o que os negros passaram nas mãos dos brancos. Outra controvérsia, muito destacada pelo Spike Lee, é o uso da palavra “nigger” para se referir aos escravos – e que tem um significado pouco lisonjeiro. Mas cadê o contesto histórico e ambientação se fosse usado outro termo?
Por mais que Argo também mostre um fato importante – o resgate dos reféns na embaixada norte-americana no Irã com a ajuda do Canadá -, não deu o verdadeiro valor ao temos, explorando, simplesmente, pelo viés colonialista e imperialista tão comuns nas produções cinematográfica. Não há como tirar o mérito do longa, embora nenhum ator se sobressaia, muito menos Affleck, que também não merecia levar o prêmio de melhor ator, de sua qualidade técnica assombrosa e da boa condução da história – mesmo com a abordagem precária.
Quem esperava um filme calminho de Django é porque não conhece Tarantino. Quem esperava um filme perfeito de Argo é porque não conhece Affleck. São duas boas opções para uma pipoquinha, mas um delas de coloca em reflexão e faz pensar na situação brasileira em relação ao tema e outra… bem, a outra distrai muito bem.
Não foi tão surpresa assim. Depois que Argo, dirigido e estrelado por Ben Affleck, faturou o Globo de Ouro, o BAFTA e o Critics’ Choice Award seria, praticamente, natural que levasse também o Oscar – considerado o prêmio mais importante da indústria cinematográfica. Com um contexto histórico cheio de polêmica, envolvendo a invasão da embaixada norte-americana em Teerã – capital do Irã – por militares islâmicos que exigiam a extradição de Mohammad Reza Pahlavi, ex-xá do país, a produção alcançou grande sucesso.
Valendo-se da metalinguagem e um a boa história, realmente, Argo é muito superior ao longa As Aventuras de Pi, de Ang Lee e inspirado no famigerado A Vida de Pi, livro copiado por Yann Martel de Max e os felinos, do gaúcho Moacyr Scliar. Diferentemente do magistral Amor, de Michael Haneke – e que deveria ter levado a estatueta -, o filme de Affleck se inspira no real e em um período conturbado: a guerra fria.
Questões políticas
Logo que foi lançado, Argo levantou poeira e que, por sinal, ainda não baixou. Muitos protestos, em especial do mundo islâmico, culminaram na “ameaça” de Teerã em contar o seu lado da história em uma “superprodução”, ou seja, uma resposta, um contra-ataque ao modo estadunidense de ver as coisas.
O que deixou todos os detratores do filme ainda mais irritados foi a presença de Michelle Obama – sim, a primeira-dama norte-americana -, responsável por entregar o prêmio de Melhor Filme para Affleck, o que foi visto, por grande parte da imprensa iraniana, como questão política.
A maior das injustiças
A interpretação fabulosa de Emmanuelle Riva, em Amor, não foi a grande a vencedora do prêmio de Melhor Atriz, perdendo para Jennifer Lawrence, por A Hora mais escura. Dona de uma carreira brilhante, Riva merecia o prêmio não somente ser seu aniversário de 86 anos o dia da entrega do Oscar, mas por uma carreira fabulosa iniciada com Hiroshima, mon amour, de Alain Resnais, de 1959, que a transformou em uma figura cult do cinema europeu. Vale lembrar que o Hiroshima contou com roteiro de Marguerite Duras.
Portanto, mais que um reconhecimento por seu desempenho em Amor, a estatueta lhe seria justa pelo conjunto de sua obra.
Desde as declarações dadas à Folha no último domingo (17), o diretor de O Som ao redor, Kleber Mendonça Filho, que está em Istambul para promover o longa, tem se visto às voltas em uma polemica envolvendo Cadu Rodrigues, diretor-executivo da Globo Filmes.
O imbróglio se deveu à afirmação de que se “filmasse o churrasco do vizinho”, e ele fosse distribuído pela Globo Filmes, atingiria – sem dificuldades – 200 mil espectadores em salas de cinema espalhadas pelo Brasil. Em suma, Mendonça Filho levou ao debate a qualidade discutível de “blockbusters” tupiniquins como De pernas para o ar e Se eu fosse você.
Em replica, Rodrigues o desafiou a levar as mesmas 200 mil pessoas ao cinema com seu Som ao redor – que em pouco mais de oito semanas já arrebatou um público de 80 mil pagantes. Entretanto, comparar um filme de arte – e que, provavelmente, nem tenha a intenso de ser popular – com projetos cinematográficos que lembram as novelas chega a ser ridículo e impossível.
Por isso, a tréplica de Kleber foi tão audaciosa quanto a resposta do executivo ao propor que a Globo Filmes trabalhasse com produções que visassem além do comercial e colocassem valores de arte em evidência no cinema.
Mecenato
Até que ponto o que as distribuidoras e produtoras fazem não é uma espécie de mecenato – um tanto deturpado? Os artistas, ao receberam o pagamento pela obra, a confeccionavam com certos preceitos à mercê de quem os paga.
Não é difícil pensar na questão de um país em que a educação não está em destaque possa existir público qualificado para apreciar filmes de arte ou com conteúdo subjetivo. Isso não é, necessariamente, um desmerecimento de filmes como Tropa de elite, por exemplo, mas é preciso pensar que há outros universos que devem ser explorados – em todas as acepções da palavra.
Sem qualquer nome consagrado no mainstream cinematográfico brasileiro – mas também sem nenhuma atuação estonteante – O Som ao redor (2011), de Kleber Mendonça Filho, quebra os paradigmas do cinema tupiniquim atual – e em alguns casos, atemporais – e, em vez de escancarar os dramas das favelas e das populações pobres mostra a classe média brasileira, esfacelada pelos próprios temores, criando um ambiente – dentro de si mesma – hostil aos seus valores e em contraponto ao que a sociedade, através de novelas e programas populares, impõem.
Mesmo se limitando a uma única rua de Recife, que, por sinal, é o local onde mora o diretor, o filme se desdobra em vários ambientes e cria situações plurais que vão do tráfico de drogas à rivalidade entre vizinhas – rivalidade de ordem racial, mas que acaba se perpetuando de várias outras maneiras.
Escrito por Mendonça, o roteiro, que bem que poderia ter saído de um livro de Marçal Aquino ou Raduan Nassar, enfoca a chegada inesperada de uma trupe de guardas particulares – que se assemelha às milícias cariocas – trazendo a paz e a desconfiança.
Que país é esse?
Beirando o onírico, a realidade é contrastada com os anseios de gente que não sabe em que patamar está. Por isso, mostrando o que rodeia os personagens pelos olhos de cada um, a câmera ê também um voyeur, assim como todos por ali, e permite ao espectador participar diretamente dos dilemas de uma sociedade pequeno-burguesa.
Diferentemente da brutalidade – muitas vezes gratuita – de Tropa de elite (2007), O Som ao redor possuiu uma violência latente. Mesmo o par romântico, João (Gustavo Jahn) e Sofia (Irma Bown), assim como as casas ao redor dos prédios, não dura pouco e sucumbi às vicissitudes da vida urbana.
O Som ao redor vem em um momento oportuno, retratando uma classe C em ascensão que passa a se identificar com as famílias apresentadas por Mendonça como arquétipo do brasileiro – que vão desde o conhecimento cultura até o modus operandi dos criminosos. Em suma, a produção, considerada a mais importante desde A Cidade de Deus (2002), é um retrato do Brasil petista e de uma parcela considerável da sociedade.
No último dia 08 um dos maiores astros do cinema completaria 82 anos. Com apenas três filmes em Hollywood, James Dean (1931 – 1955) escreveu seu nome na sétima arte, então nada mais justo que o Especial Fim de semana preste a devida homenagem ao homem que ajudou a cunhar a imagem do rebelde sem causa e que, mesmo sem gostar de rock ‘n’ roll, foi responsável por criar a identidade de toda uma geração e influenciar gente como Jim Morrison e Elvis Presley.
Quando a notícia da morte de Dean ecoou por todo o mundo naquele 30 de setembro de 1955, alguns dias antes da estreia de Juventude transviada (Rebel without a cause, 1955), seus colegas de elenco Natalie Wood e Sal Mineo – que assistiam à uma premier do longa – ficariam chocados ao saber que o Porsche do ator colidiu com outro automóvel e que o amigo foi o único a sair sem vida daquela fatalidade.
Dono de uma personalidade forte, James Dean, que participaria de uma corrida nas Salinas, decidiu ele mesmo dirigir seu carro até o local na prova, tendo ao seu lado o mecânico Rolf Wütherich. Segundo apurações à época do acidente, não bastasse a alta velocidade em que trafegava, Dean – que tinha grande dificuldade para enxergar – não estaria usando seus óculos, indispensáveis para que pudesse assumir a direção.
Talento e tragédia
A morte trágica e a carreira meteórica ajudaram a conceber a imagem que hoje temos de James Dean. Mas isso não é tudo: sua atuação em Vidas amargas (East of éden, 1954) como o atormentado Cal Trask, uma espécie de Caim moderno que tentava conquistar a atenção do pai sendo melhor que o irmão Aaron (Richard Devalos); o problemático e revoltado Jim Stark em Juventude transviada e o peão encrenqueiro Jett Rink em Assim caminha a humanidade (Giant, 1956) buscava a perfeição sem ter que deixar de ser ele mesmo.
Não era à toa que deixava jornalistas embevecidos e surpresos ao dizer que “a maior parte dos atores usam uma máscara para não revelarem a si mesmo. Isso é fácil. É fácil mostrar qual personagem está passando, mas difícil de fazer”. Em seu último trabalho, interpretando Jett Rink, sob a “tutela” do diretor George Stevens, mesmo não sendo necessário, Dean teve aulas de como laçar um touro – isso apenas para dar um ar mais real ao personagem.
Rock Hudson, companheiro de Dean nesse mesmo filme, afirmou que “antes de entrar em cena, ele se preparava como um lutador para luta. Nunca se punha diante da câmera sem antes dar saltos no ar ou sair correndo em alta velocidade”. Com atitudes assim é fácil de explicar o temor despertado em seus ídolos Marlon Brando e Montgomery Clift, não que eles tivessem medo de perder trabalhos, mas o novato criou uma estranha sensação em ambos.
Viver rápido e morrer jovem
Essa ferocidade seria fruto de um trauma sofrido quando tinha somente oito anos. Muito apegado à mãe, James Dean não suportou a morte dela e o fantasma de Mildred Wilson o perseguiria por toda a vida. Ainda na infância, ele teria protagonizado a comovente de cena de cair em prantos no meio de uma aula e gritar “eu quero a minha mãe”.
Já adulto, e com a carreira de ator um tanto consolidada, ele desabafou durante uma entrevista: “minha mãe morreu e deixou tudo nas minhas costas”. De certa forma, essa declaração mostra a tentativa de fuga, libertando-se da imagem de órfão deixando pela mãe – que morreu de câncer – e acabou sendo criado pelos tios – por (possível) negligência do pai.
Apesar dessa relação edipiana, foi Mildred quem inseriu o filho nas artes. Muito jovem aprendeu a tocar violino, que abandonou após a morte da mãe, e, acima de tudo, carregava no nome o fascínio dela pela literatura, dando ao garoto o nome de James Byron Dean, uma homenagem ao poeta inglês Lord Byron. Assim, é fácil entender como a tragédia não havia de persegui-lo, quiçá, ser seu guia.
Em uma de suas frases mais célebres, o astro dizia que queria “viver rápido, morrer jovem e ter um belo cadáver”. Mesmo carregando essas chagas, não era difícil amá-lo, vide os homens e mulheres que povoaram a sua vida, em especial a atriz Pier Angeli, que teria sido seu grande amor, mas teve de interromper seu namoro por conta da desaprovação de sua mamma.
Angeli casaria em 1954 com o ator Vic Damone, despertando a ira do ex-affair que, remoendo as mágoas, faria um verdadeiro estardalhaço em frente à igreja pouco antes da saída dos noivos. Como se vê, a carreira de James Dean foi tão rápida quanto pode, mas foi indispensável parar recriar no cinema a atmosfera realista do teatro.
Anúncio protagonizado por Dean em que ele alertava sobre os perigos de dirigir em alta velocidade.
Vídeo raro de James Dean contracenando com Ronald Reagan
Apresentado pela primeira vez em Cannes, em maio do ano passado, Amor (2012) chegou apenas em janeiro à Curitiba. Dotado de todo o lirismo que é possível ao tratar da morte, Michael Haneke dá ao expectador o crítico processo de autoavaliação ao narrar a história de Anne (Emmanuell Riva) e Georges (Jean-Louis Trintignant) que precisam lidar com o fardo do fim que, mais que carregado, precisa ser aceito.
Os dois são professores de música aposentados e se deparam com uma grave doença que, ao acometer Anne no café da manhã após a noite do concerto de um de seus pupilos, passa regrar a vida deles e também da filha Eva (Isabelle Huppert), que vive no exterior, mas percebe o inferno em que os pais se meteram.
Repleto de metáforas, o filme discute muito mais que a velhice e as formas de lidar com a morte e traz, sob a égide de uma pomba, a verdadeira libertação do ser humano. Quando a situação se torna insuportável, Georges precisa tomar uma decisão que transformará a sua vida, entretanto, para chegar a esse ponto, ele precisa descobrir o caminho que terá de seguir – e uma estrada onde a rima de amor com dor não é pobre, mas o guia definitivo.
Performance
O que muitos chamam de drama é, em suma, um filme de arte, que, apesar dos planos usuais, é recheado de tomadas longas que vão desde o simples escolher de um vestido até a “poda” de um buquê de flor. Haneke, que esteve à frente do polêmico A Fita Branca (2009), foi certeiro no elenco ao colocar Riva – que ficou imortalizada por Hiroshima, mon amour, de Alain Resnais , de 1959, – e revelar toda a beleza de um talento maduro em um papel que poderia se transformar em algo repulsivo pela carga do personagem, afundando e autodestrutivo.
Por isso, mais que uma performance, os atores se entregam e quem assiste chega ao ponto de viver a vida desses personagens, sentindo a mesma necessidade de libertação, fuga e o calor do desespero.
Assim como Hanami – Cerejeiras em flor (2008), dirigido por Doris Dörrie, Amor mostra as dificuldades do casamento maduro e a complexa relação entre presença e ausência. Enquanto no primeiro a perda gera uma catarse imediata, o segundo consegue lidar com a possibilidade de um recomeço, mas que é ceifado pela angústia e pela dura realidade.
Viver a vida
A complicada família Laurent parece ter sido tirada de Sonata de outono (1978), de Bergman, onde até mesmo as questões musicais possuem uma dolorosa simbiose. Ao contrário do drama sueco, a “filha” de Haneke, Eva, é bem resolvida – a despeito do casamento conflituoso – e talentosa musicalmente.
Entretanto, em nenhum dos casos as famílias devem receber a nossa dó, ao contrário, os vemos se arrastando e é isso que faz com que o filme viva, criando em nós o sentimento de afiliação àquela dor.